quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Tentativa de discussão matemática

-Eu te amo...


-Hm, beleza. Eu também te amo. Também amo o Eddie Vedder e isso não faz diferença na vida dele ou na minha. Amor não faz diferença.

-Grossa. Quer dizer que agora o Eddie Vedder faz diferença e eu não?

-Não sou grossa, acabei de dizer que te amo. Não disse que você não faz diferença, disse que amor não faz diferença.

-Não adianta discutir com você, viu...

-Dependendo dos argumentos não adianta mesmo.

-Ok, você venceu. Quer discutir algo? Sobre nós, sobre o Eddie, sobre o amor?

-Quero! Você não entende nada. Estamos no meio dos três assuntos.

-Estamos no meio de uma briga, baby, e eu só quero resolver.

-Claro, eu também.

-Nesse tom sarcástico, não parece.

-Você de novo. Não estou sendo sarcástica, estou descrente. Você não entende nada.

-Precisa mesmo disso? Me desculpa e pronto?Consegue ser menos chata?

-Viu? Só o Eddie mesmo... Você pisa na bola e quer resolver as coisas com ‘eu te amo’ e ‘você é chata’.

-Dá pra parar de colocar o Eddie Vedder no meio? Nesse momento, eu não te amo. Feliz?

-Muito! Viu? E a vida continua igual, você me amando ou não.

-...

-A gente nem precisa se amar, precisa ser útil na vida do outro. Amor é acessório, futilidade, capricho.

-Amor é desejo de estar junto, não? Você disse que me ama...

-Significa apenas que você me agrada, que vejo em você algumas coisas que podem melhorar minha vida mas não são essenciais. Estou disposta a passar um tempo ao seu lado, isso tem a ver com praticidade, isso não é amor. Veja: tenho em casa uma escova de dente, ela é útil diariamente. Não quero escovar dente o dia inteiro, não a amo.

-E isso quer dizer que....?

-Nada, esquece!

P.S.:Alguém tem o telefone do Eddie Vedder?

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Diarista

‘Eu não preciso que você seja fiel. Preciso que você seja leal. ’


Desligou a televisão, deixando uma mulher colorida e peluda olhando com ternura para um gordo de bigode. Não entendia muito sobre amor televisivo. E mesmo pobre, não era peluda. Parou em frente ao espelho oval e passou  um batom cor-de-boca que competia em falta de graça para sua calça social sem corte e sua bata de um azul que merecia ser confundido com cinza. Prendeu o cabelo ondulado num rabo baixo e colocou a aliança que havia tirado antes da faxina. Hora de pedir o pagamento à patroa.

‘Dona Fernanda, vou indo. ’

‘Tudo bem, querida. Vou buscar seu dinheiro. Quinta que vem você volta, né?’

Não sabia bem o motivo, apenas percebia que a patroa andava deprimida. Aprendera esse termo e seu significado com Dona Fernanda triste e pensativa. O que a deixaria assim, ser leal e não fiel? Bah, a vida era suficientemente complicada sem essas coisas, e se pensasse nisso poderia ficar deprimida, também.

Sorriu, quase que debochada. Devia ser preciso dinheiro para ficar deprimida. Dona Fernanda deixava de se arrumar, de fazer as unhas, de comer... Nos dias ruins, não saía do quarto e ainda fumava. Jesus misericordioso que a livrasse da depressão. Neiva não podia perder tempo dentro do quarto, perdia no ônibus que ia de Venda Nova ao Centro e isso já contava tempo perdido o bastante.

Sobre fidelidade, quando noiva uma vez quis beijar um vizinho. Desistiu porque era pecado e depois disso nunca teve disposição ou criatividade para infidelidade. Quanto ao marido, bom com ela não era. Ainda que fosse fiel, diferença pouca. Ao menos passava o final de semana em casa e não aparecia bêbado na frente dos filhos. Felicidade era isso. Ver os filhos crescendo sem entender de fidelidade e lealdade. E sem depressão.

Dona Fernanda voltou com uma nota de cinqüenta e outra de vinte. ‘Combinamos sessenta, mais passagem.’ ‘Obrigada, dona Fernanda.’ ‘São dois ou é um só?’. ‘São dois, mas pego no centro com uma colega, não tem perigo. ’ ‘Graças a Deus. ’ ‘Graças a Deus.’

‘Dona Fernanda, que filme era o que estava passando?’ ‘Frida Kahlo, sobre uma pintora.’ ‘Me empresta para eu ver com meu marido no final de semana?’ ‘Acho que vocês não vão gostar, mas empresto. ’

Deixou o serviço com o DVD dentro da bolsa. Teria de pedir o aparelho de DVD emprestado à sua cunhada, pensou. O marido brigaria por ter de ligar o aparelho e por ter de pedir emprestado. Brigaria pela escolha do filme e por ter de perder seu tempo assistindo-o. Ela, enfim triunfante, inflaria o peito: ‘Você me deprime. ’