quarta-feira, 29 de setembro de 2010

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Logica barroca

Matei quatro louva- Deus
Ainda sobra um, sobra barulho
Poderiam ser louva-deuses...
Ainda assim, mereceriam a morte se fossem pagaos?
E se os quatro fossem louva-Deus
E me sobrou apenas um louva-deuses?
Como me livrar da duvida, se ja pequei?
O ultimo se aproxima, vou mata-lo...
Nao, esse nao! Talvez haja tempo de converte-lo.

terça-feira, 15 de junho de 2010

A atéia

Saiu do hospital às duas em ponto, lembrou que o bandejão estaria fechado. "Droga-o almoço por aqui é caro.". Fazer o quê, essa aula na hora do almoço deixava sua tarde livre, e ela quase nunca a usava para estudar mesmo. Resolveu andar mais para o centro da cidade, por lá encontraria um bom PF (oba,ovo!) custando uns cinco reais. Dobrou numa rua qualquer (Bahia?Tupis?) e subiu até o primeiro restaurante que encontrou, as portas estavam se fechando.Só então reparou na estranha quietude da cidade, estava tudo silencioso demais para um dia útil, nada de confusão de carros, motos e pedestres. Dirigiu-se a um rapaz de avental- devia trabalhar no restaurante.
-Moço, não tem como eu almoçar não?- falou com a voz doce, usando o maior charme possível a alguém faminto.
-Desculpe, estamos fechando, é tarde.-respondeu o insensível, quase ríspido.
-Ah, tudo bem. Onde fica a lanchonete mais próxima?
-Olha, você pode até andar até o shopping, mas nada estará aberto.
-Como assim?-já não era a voz doce, era a revolta de um estômago doído.
O moço arregalou os olhos e sumiu dentro do restaurante. Ao mesmo tempo, disparou uma sirene ensurdecedora e surgiram policiais. Não um,mas três. E viaturas, quatro delas fechando a passagem da moça faminta, agora assustada.
-Mocinha, você vem conosco agora.-fala um deles, não saberia dizer qual, não só pelo seu espanto,mas eram todos iguais. O policial falou sério, com firmeza, segurou-a pelo braço e foi conduzindo-a à uma das viaturas.
-Mas....?
-Sem mas nem meio mas!-estava realmente alterado- esses adolescentes, onde já se viu? Por isso que não tive filhos! A senhora fique calada!
Obedeceu, claro. Não ia discutir com três homens que eram duas vezes seu tamanho. O que teria feito? Foi jogada no banco de trás, entre dois deles. Ninguém falava, ninguém olhava. Quando alguém explicaria a ela o que estava acontecendo? Olha para o relógio, são duas e meia. Ouve outra sirene. Segunda sirene, começa a ouvir sons distantes, indefinidos, olha pela janela e vê pessoas saindo dos prédios- várias delas, carregando caixas, montando coisas. Terceira sirene: as pessoas estavam enfeitando as ruas!E o burburinho das pessoas ia ficando mais intenso, mais nervoso- nervosamente alegre, como um baile de papagaios.
-Quando chegarmos, levem-na direto para a cela 22. Precisamos nos apressar.
Presa, sério? Por quê, afinal? Sem coragem de falar, de perguntar, estava com medo, os policiais estavam ficando mais agitados. Estacionaram em frente a uma delegacia, três deles saíram correndo e o quarto a puxou:
-Vamos. Você não vai estragar o jogo de ninguém, nem o meu.
-Que jogo?
Melhor que não tivesse perguntado.
-Como ousa?-e a empurrou com mais brutalidade, obrigando-a a andar mais rápido.
Foi adentrando a delegacia, ainda perplexa. Presa? Jogo? E o estômago, que ainda reclamava,esquecido? Chegaram a cela 22, onde havia uma velha com um radinho.
-Você fica aí. Amanhã o Doutor Limeira cuida de você, melhor se comportar: o bicho está feio pro seu lado.
-E ninguém me explica nada? Quero falar com minha mãe, ela vai ficar preocupada!E estou com fome!
-Quieta.-falou firme, definitivamente. E virou-se para a velha, já saindo apressado: Ela é atéia, cuidado.
-Como assim atéia? Sou católica,volte aqui!
-Menina, menina, cala! De onde você é?-perguntou a velha, serenamente.
-De Bom Despacho, me explica o que está acontecendo-num tom de súplica.
A velha tirou algo de uma sacola parda: Explico, mas primeiro come. Ainda bem que guardei essa mexerica do café da manhã. E acalma. Você é mesmo atéia? Não sabe que hoje é o primeiro jogo do Brasil na Copa?
-Hã?Não mesmo. Joguei vôlei na minha cidade,mas nunca fui ligada a futebol.
-Shhhhhh!Não repete isso nem em pensamento. Aqui na capital as leis são mais rígidas em relação ao futebol. É melhor para você ficar aqui até o fim da Copa, porque se te pegam duas vezes, é pior, acredite. Falo de tortura,sabe. Estou aqui há seis anos. Na Copa passada foi feio, ficaram agressivos quando o Brasil perdeu, nem queira ver. Se o time estiver indo bem, não colocam a mão em você, torça por isso. Para sua sobrevivência, você tem de aprender a escalação, as regras e os adversários- todos eles. Não adianta saber só dos times grandes. Deixa eu lembrar o que mais...
Desconcertada era pouco. Sabia que o futebol era a paixão nacional, achava o Kaká bonito,mas só isso, não se interessava. Agora, tortura?Que tipo de tortura? Nem sabia explicaro que faz um ponta...
-Ah! Você TEM de torcer, senão fica aqui por mais tempo obrigada a ouvir o Galvão o tempo inteiro. Pode até usar palavrões, ajuda um pouco a extravazar essa farsa toda. Vou te ensinando, porque o doutor Limeira é carrasco, faz muitas perguntas e se você não sabe...Bem, não entrarei em detalhes, melhor que não passe por isso.
Ficou tonta. Atônita. Tonta. Estonteada. Esfomeada. Escotomas: verdes, amarelos, verdes, verdes. Tombou.
-Mariana? Acorda, Mariana. Estamos indo para casa ver o jogo, vamos?
Levantou a cabeça, olhou o relógio: uma e dez. Estava na biblioteca, adormeceu lendo e tinha perdido a aula.
-Jogo?Estou indo almoçar,odeio futebol.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Reflexões H

...Fulana era de uma inadequação quase poética, beirando o absurdo, e de tão pouco usual,parecia harmonioso-para os outros,claro.

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Conversa com o analista
-Ando sem ânimo,sabe,tem dias que tudo acorda cinza...
-Hm,é?Pois para mim também.

domingo, 16 de maio de 2010

Sobre os estudantes

O senhor veja esses estudantes... Orgulhos da família toda e até da vizinhança, são tão adestrados, tão meticulosamente aretinhados. Tão cheios de criancice mal disfarçada com esses conhecimentos todos que o senhor deve saber, que os tais gregos de antigamente já sabiam um tanto e que eu desconfio que até eu lembre... Mas sabe, que paixão eu sinto quando vejo um pequeno desses enfiado num capote branco! O senhor pense e responda: que é que eles sabem da vida? Eles vão ter de tratar crianças e ainda nem tiveram filhos, vão tratar velhos e nunca foram velhos, vão tratar dores que quase nunca sentiram nem sei se sentirão, não sei se entenderão o que é que estão tratando.

E doutor bom mesmo seria doutor velho, daqueles que já viraram mundo e meio? Eu tenho cá minhas desconfianças. Doutor bom mesmo é doutor bom mesmo. Se aprende a ser esperto, dessas espertezas de olhar pro caboclo e volver com o que é que ele tem, essas coisas todas que se tem de saber para ser esperto isso tudo é com o tempo, é treino. Já disse que até eu mesmo aprendi? Estive lá pela academia antes mesmo desses meninos de hoje nascerem, antes de seus pais pensarem em nascer... Entrei na faculdade novo, criançola, fui médico novo e deixei de ser médico novo. A vida ensina tanto que eu vi que não queria era ser médico de profissão não, que ser médico você faz só por um de cada vez, quando escreve é como se fizesse pelo mundo todo. Vai ver sou médico ainda, que ser médico é ser tanta coisa, é um quase tudo.

E quando vejo esses moços todos... Ah, o senhor já viu um estudante? Desses aéreos, carregando livros, correndo? Já viu um deles atendendo, de capote? Sendo justo, é coisa bonita. Que eles se esforçam tanto, se dão tanto, ficam tremendo, gaguejando, esquecendo a missa que eles têm de rezar pro paciente. Eu tenho pena sim, que de vida eles sabem é pouco nada, não sabem que essas mnemoses deles não resolvem quando estão caçando dor e paciente fala “eu ando é triste, doutor...” porque aí ele não é mais médico não, é pessoa. Não senhor, não disse que médico não é pessoa, Deus que me livre porque de formação eu sou médico e pessoa todo mundo é. Estudante é pessoa, e sabe muito mais de ser pessoa que de ser médico. Médico é pessoa também, mas pessoa dum tipo que tem serventia para ajudar, confortar, e só não digo curar. Curar não é garantia, será que esses meninos aprendem isso? Confortar é garantido sim, isso eles tem de fazer. Ser bom a pessoa nasce sendo e é, é coisa que Deus dá. E eu acho sim que quem vai ser médico deve de ser boa pessoa, que do resto tudo a academia se cuida. Estou complicando a cabeça do senhor, são observações minhas, consternações, se eu estivesse na academia ainda, meus cabelos brancos seriam por isso, também.

Penso que é tanto micróbio na cabeça dos meninos que eles quase esquecem dos bichos maiores...Mentira, não acho não. Os micróbios distraem os meninos. Eles entram na academia por quererem cuidar de gente e antes de falar de gente, aprendem de micróbios. Quando eu na minha época, quase não tinha micróbio, até que ter tinha mas a gente não conhecia muito, então tinha é de conhecer gente, entender de gente. Deus que me livre e guarde, nos dias de hoje é tanta coisa para conhecer que o tempo de conhecer gente diminui.

Penso nesses meninos e tenho pena porque sei que alguns de seus sonhos vão sumindo nos caminhos da medicina, porque sei que veem tão artisticamente a profissão, tão sonhadoramente, que mais tempo menos tempo podem angustiar, vai ver até perdem essa visão. Para querer ser médico precisa sonhação, e para ser médico tem de acostumar a brigar por sonhos, ou a esquecer. E há algo mais triste que abandonar um sonho? Perder sonho é perder pedaço, o senhor sabe. Que os sonhos são feitos aos miúdos do que a gente quer de melhor, de ideal, é uma espécie de poesia. Sonho é ingenuidade, será?

O senhor compare então um estudante e um doutor, o estudante é todo sonho, o doutor já teve parte de seus sonhos comida, é por isso que alguns deles são distantes, para não amofinar mais. É, o que eu vejo de bonito nos estudantes é isso, que são crianças ainda, arremedam os mestres, mas ainda não perdem a inocência e a esperança da medicina ser o que eles creem. A parte da pena eu mudo, revejo agora, que a vida é isso mesmo, afinal... É construção do que a gente vive, do que realmente é; o que a gente acha que seria ajuda a embelezar.


Texto escrito em fins de março de 2010..