segunda-feira, 4 de junho de 2012

Bilhetinho azul

   
Olha, fui embora. Não dormi essa noite. Numa das tantas horas, olhei para você feito criança, encolhido e tranquilo ao meu lado e resolvi ir de uma vez. Melhor assim, sem despedidas, sem novas promessas, sem 'fica!', sem mais nem menos. 
    Não tenho o que explicar. Tô indo e pronto. As minhas chaves tão com o porteiro. Deixei os livros e as roupas, se quiser pode dar para doação, todo domingo recolhem no São Vicente. As suas roupas que estavam na máquina eu pendurei. Deixei um envelope na mesa da copa com minha parte do aluguel e um pouco a mais, até você arrumar alguém para dividir. O documento da moto tá na sua carteira. Tem resto da pizza de ontem na geladeira, não deixa de comer. Meu telefone tá na sua cabeceira, pode vender e ficar com o dinheiro. 
    Não precisa me procurar. Não estarei me escondendo nem te esperando. Não adianta perguntar pra Lu que ela não sabe. 
    Só acho que eu e você já deu, entende? Se fosse para ser bom já teria sido. Foi coisa de solidão, de impulso mesmo. Eu sozinha, você sozinho. Solidão compartilhada não é companhia, entende? Sei que não.  
    Você é um cara bacana. Talvez devesse beber menos , talvez roncar. Sempre achei que ressonar é coisa de viado. Não usa mais aquele tênis branco com o furo do lado,viu?  
  Até pensei em ficar e conversar, mas olhando bem pro quadro que compramos juntos, percebi a incongruência disso tudo. É horroroso, eu não concordaria com um quadro desses se a parede fosse só minha. Amor é isso, a gente fica colocando o que não gosta na nossa parede, é ridículo. Nunca te disse: odeio cubismo. Poesia concreta até vai, mas cubismo? 
    O cachorro fica porque nunca gostei dele. Tô levando o CD do Eddie Vedder que é para chorar melhor.