terça-feira, 29 de maio de 2012

Tomando nota da vida alheia

Pequenos fragmentos preciosos para ouvidos atentos.

#1 -Você vai conosco?
-Não posso, tenho horário agora com meu terapeuta.
-Que bom! Fale com ele sobre meus problemas e me diga o que fazer?



#2 Estávamos todos na sala quando a Lidiane saiu do banho. O priminho de quatro anos não se conteve:
- Nossa Lid, você está tão bonita com esse cheiro!
( Sim, crianças podem se mostrar lindamente sinestésicas!)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Bia


Não posso dizer que descuido permitiu que a pequena viesse e sentasse em meu colo. Veio rápida, descomposta, com um cheiro doce e agradável de suor conquistado em brincadeiras. Estremeci , atônita com tal absurdo. Com o olhar tentei dizer: ‘Não venha, não sei como segurar uma criança’. As palavras me faltaram, os gestos não vieram. Ajeitou-se e aninhou seus piolhos em meu peito. Ainda tentei pensar fortemente: ’Não posso, estou ocupada, saia’. Não saiu. Pequena, suja e pacífica, aconchegou-se. Uma vez mais, tentei me desfazer daquela condição, uma vez mais a petiz coube em mim, ocupou um jeito de corpo que eu não sabia que tinha.

Eu diria: Como segurar uma criança? O que oferecer a ela? O que ela quer? Saia! Não sou sua mãe, estou ocupada, há muito que fazer. Tenho pressa, tenho objetivos, não tenho docilidade a gastar nesse momento. Não posso deixar que me vejam com uma criança no colo. Que vão pensar? Ora, é uma desleixada, passa horas com as crianças e não cumpre suas tarefas! E caso me vejam e se enterneçam? Como explicar por que essa pequena veio a mim? O que fiz por ela? Que ternura ofereço eu ao mundo? E o mundo caberia em meu colo?

A pequena, alheia a mim em sua necessidade de carinho, dormiu.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Declaração de óbito de uma flor




Morreu hoje, novedemaiodedoismiledoze, às dezesseis horas e dois minutos, uma flor. Chamava-se Flor, tinha seis meses de idade e morreu de causas naturais. A cuidadora assistente informou que Flor vinha agonizando há duas semanas, foi transfundida e transplantada de vaso, mas não resistiu às sérias decepções que vinha sofrendo. Foi plantada por japoneses, cresceu rósea e sua única pretensão era viver incólume de amor. Viveu por dez dias numa estufa, próximo à soberba sessão das orquídeas, numa felicidade débil e plena. Fortuitamente, foi adotada por um descuidado e chegou a essa residência com promessas de crescimento e prosperidade. Era vizinha de uma samambaia e recebia o Sol todas as manhãs. Flor floriu uma vez, mas não deixou herdeiros. Os japoneses informaram que não estarão presentes no enterro. Tenhamos compaixão desse ser que veio como emblema sentimental e parte como esterco.