domingo, 16 de maio de 2010

Sobre os estudantes

O senhor veja esses estudantes... Orgulhos da família toda e até da vizinhança, são tão adestrados, tão meticulosamente aretinhados. Tão cheios de criancice mal disfarçada com esses conhecimentos todos que o senhor deve saber, que os tais gregos de antigamente já sabiam um tanto e que eu desconfio que até eu lembre... Mas sabe, que paixão eu sinto quando vejo um pequeno desses enfiado num capote branco! O senhor pense e responda: que é que eles sabem da vida? Eles vão ter de tratar crianças e ainda nem tiveram filhos, vão tratar velhos e nunca foram velhos, vão tratar dores que quase nunca sentiram nem sei se sentirão, não sei se entenderão o que é que estão tratando.

E doutor bom mesmo seria doutor velho, daqueles que já viraram mundo e meio? Eu tenho cá minhas desconfianças. Doutor bom mesmo é doutor bom mesmo. Se aprende a ser esperto, dessas espertezas de olhar pro caboclo e volver com o que é que ele tem, essas coisas todas que se tem de saber para ser esperto isso tudo é com o tempo, é treino. Já disse que até eu mesmo aprendi? Estive lá pela academia antes mesmo desses meninos de hoje nascerem, antes de seus pais pensarem em nascer... Entrei na faculdade novo, criançola, fui médico novo e deixei de ser médico novo. A vida ensina tanto que eu vi que não queria era ser médico de profissão não, que ser médico você faz só por um de cada vez, quando escreve é como se fizesse pelo mundo todo. Vai ver sou médico ainda, que ser médico é ser tanta coisa, é um quase tudo.

E quando vejo esses moços todos... Ah, o senhor já viu um estudante? Desses aéreos, carregando livros, correndo? Já viu um deles atendendo, de capote? Sendo justo, é coisa bonita. Que eles se esforçam tanto, se dão tanto, ficam tremendo, gaguejando, esquecendo a missa que eles têm de rezar pro paciente. Eu tenho pena sim, que de vida eles sabem é pouco nada, não sabem que essas mnemoses deles não resolvem quando estão caçando dor e paciente fala “eu ando é triste, doutor...” porque aí ele não é mais médico não, é pessoa. Não senhor, não disse que médico não é pessoa, Deus que me livre porque de formação eu sou médico e pessoa todo mundo é. Estudante é pessoa, e sabe muito mais de ser pessoa que de ser médico. Médico é pessoa também, mas pessoa dum tipo que tem serventia para ajudar, confortar, e só não digo curar. Curar não é garantia, será que esses meninos aprendem isso? Confortar é garantido sim, isso eles tem de fazer. Ser bom a pessoa nasce sendo e é, é coisa que Deus dá. E eu acho sim que quem vai ser médico deve de ser boa pessoa, que do resto tudo a academia se cuida. Estou complicando a cabeça do senhor, são observações minhas, consternações, se eu estivesse na academia ainda, meus cabelos brancos seriam por isso, também.

Penso que é tanto micróbio na cabeça dos meninos que eles quase esquecem dos bichos maiores...Mentira, não acho não. Os micróbios distraem os meninos. Eles entram na academia por quererem cuidar de gente e antes de falar de gente, aprendem de micróbios. Quando eu na minha época, quase não tinha micróbio, até que ter tinha mas a gente não conhecia muito, então tinha é de conhecer gente, entender de gente. Deus que me livre e guarde, nos dias de hoje é tanta coisa para conhecer que o tempo de conhecer gente diminui.

Penso nesses meninos e tenho pena porque sei que alguns de seus sonhos vão sumindo nos caminhos da medicina, porque sei que veem tão artisticamente a profissão, tão sonhadoramente, que mais tempo menos tempo podem angustiar, vai ver até perdem essa visão. Para querer ser médico precisa sonhação, e para ser médico tem de acostumar a brigar por sonhos, ou a esquecer. E há algo mais triste que abandonar um sonho? Perder sonho é perder pedaço, o senhor sabe. Que os sonhos são feitos aos miúdos do que a gente quer de melhor, de ideal, é uma espécie de poesia. Sonho é ingenuidade, será?

O senhor compare então um estudante e um doutor, o estudante é todo sonho, o doutor já teve parte de seus sonhos comida, é por isso que alguns deles são distantes, para não amofinar mais. É, o que eu vejo de bonito nos estudantes é isso, que são crianças ainda, arremedam os mestres, mas ainda não perdem a inocência e a esperança da medicina ser o que eles creem. A parte da pena eu mudo, revejo agora, que a vida é isso mesmo, afinal... É construção do que a gente vive, do que realmente é; o que a gente acha que seria ajuda a embelezar.


Texto escrito em fins de março de 2010..