segunda-feira, 16 de julho de 2012

Feriado nacional




A revolução não será televisionada. O amor ao próximo tampouco. Hoje eu desejei ser jornalista-chefe do Estado de Minas. A manchete amanhã seria - em letras garrafais: 16 de julho: aniversário do Seu Antônio*. Mas não. Essas coisas insignificantemente bonitas não estarão nos jornais.

Seu Antônio tem 73 anos completados hoje e está há 115 dias internado . Do interior da Bahia, idoso e com uma visão ruim, nos passa a impressão de que não entende o que acontece ao seu redor. Acompanho o caso há 15 dias. Hoje ao abrir o prontuário, descobri que era aniversário dele. Encontrei-o já acordado e sereno.

-Bom dia, Seu Antônio!

-Bom dia, minha filha!

Seu Antônio responde com educação e desânimo de quem dormiu no próprio travesseiro quatro meses atrás.

-Uai, hoje é aniversário do senhor?

Pede que eu repita a pergunta e responde desinteressado, está numa idade em que datas são irrelevantes.

-Não me lembro direito, minha filha, mas acho que é em janeiro...

Volta o olhar para outro canto e fica em silêncio. Eu prometo conferir e contar se está ou não completando mais um ano. Estava, realmente. Nasceu numa época em que o registro de nascimento era muito difícil e as crianças eram registradas em datas aleatórias. Não faz mal. Espalhou-se na enfermaria que hoje é aniversário de Seu Antônio.

Hospital, correria. Passamos por vários andares, vimos diversos pacientes, discutimos diversos casos. Para visitar uma outra paciente, voltamos à enfermaria onde estava Seu Antônio. Espiei pela porta, ele estava com a fisioterapeuta, obediente em seus exercícios. Uma enfermeira então veio nos convidar para cantar parabéns para ele. Percebo que há um movimento anormal no andar. As enfermeiras e a fisioterapeuta se olham, segredam pelos olhares.

Obedecendo a um olhar da enfermeira, a fisioterapeuta o leva pelo corredor a uma salinha que serve para reuniões e como copa. Lá nos esperam dois bolos. Uma festa de aniversário para Seu Antônio! A equipe de enfermagem, a fisioterapeuta, os médicos, os alunos e o paciente, todos reunidos no momento de maior carinho que presenciei. A enfermeira explica a ele que vamos cantar parabéns.

-Tudo bem, minha filha.

E abre um dos seus sorrisos despretensiosos, humildes – e que inundam!

Sopra o isqueiro, senta-se em silêncio e come como se estivesse sozinho ali. Parece não entender o momento, a homenagem. Pode ser que nunca tenha vivido um aniversário nos nossos moldes.

Fico abismada com a grandeza do momento. Nunca vi algo tão bonito, carinho altruísta, cristão. Minha trajetória de cinco anos na faculdade teve hoje seu auge. Sentido integral de cuidado, de dedicação. Deveria estar no jornal, deveria ser feriado... Que sirva ao menos para que eu dê todo o meu carinho a quem quer que precise!

*Seu Antônio não se chama Antônio. Troquei o nome por uma questão ética. Caso alguém queira ter o privilégio de visitá-lo, melhor correr porque ele terá alta logo- para comemorar com sua família.